Alma numa pedra,
consciente,
tudo percebendo,
tudo retendo,
cruzando Universo,
bilhões de anos,
curvaturas do
espaço-tempo,
anomalias gravitacionais,
buracos negros,
facho azul infinito,
dutos
intergalácticos, quásares,
nebulosas, grupos
globulares,
cemitérios e
berçários estelares,
jornada
estupefaciente, ser contrito,
a esta galáxia chegando,
enfim,
predestinada colisão,
do planeta infeliz
coração
a receber esta essência
ruim.
Libertação do
etéreo, fluindo no além,
vagando em solidão,
até merecer
incorporar em ser
vivo qualquer,
peixe, ave, cavalo,
cão, homem, alguém.
Alma viva, memórias
imortais,
de incontáveis
encarnações, persistindo
em justeza,
inconformismo, intensidade,
caridade,
compaixão, reciprocidade.
Sofrimento como
preço, mudar jamais.
Não quis aprender a
relevar, esquecer.
Acumulou o que
ninguém compreendeu.
Envenenou-se,
agoniou-se, transbordou,
desejou, tentou,
mas não morreu.
Por fim, incautamente,
neste trapo desumano.
Por fim, incautamente,
confronto infernal, criatura do mal,
face estática, cadavérica, boca prava,
dublando comparsas do Umbral,
dublando comparsas do Umbral,
a sorrir, calma,
a instilar veneno
impronunciável,
a instilar veneno
impronunciável,
decisão inabalável
de ferir a alma.
Doeram a intenção, a maldade,
contra quem sempre lhe dedicou verdade,
tempo, vida, a ouvir lamentos,
trazer alentos.
Logrou intento,
deflagrou cataclismoneste trapo desumano.
Esfarraparam-se
sinapses,
fragmentaram-se
memórias,
desfizeram-se redes
neuronais,
alteraram-se neurotransmissores,
esfrangalharam-se
nervos, coração,
sentimentos, sensos
e consciência,
orientação, equilíbrio,
competência,
autoconfiança,
autodeterminação.
Abriram-se portas à
multitude
de seres e palavras
e agravos
afoitos, quer justos,
quer não.
Depressão, surtos,
tristeza primordial,
inexoráveis químicos,
apaziguadores,
de quem sempre fui
e sou atenuadores.
Experiência cruel, definitiva.
Dolorosa demais
esta vida,
cujo fim não me
competiu determinar.
Desta passagem,
volto à alma cativa.
Quero, sei, breve estarei
de partida,
noutra pedra, à
frieza interestelar.
Não desejo retornar.
setembro - dezembro, 2013